quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Flor da noite

Andrezinho se criou em meio às atenções dos vizinhos. Com frequência, a mãe saía e ele ficava aos cuidados da vizinhança, o que incluía um restaurante onde filava uma boia, brincava no parquinho e participava ativamente de todos os eventos. Esperto, curioso, desinibido, levava a vida como qualquer criança.
Um belo dia, Andrezinho, já crescido, assumiu o seu lado feminino e, então, nasceu Amanda. “Não, não foi assim de repente”, corrige ele. ‘Eu sempre me senti assim, só que era uma coisa escondida, eu me exibia sozinho, na frente do espelho”.

A mãe, Rose, lembra que já aos 5 anos ele dançava e rodopiava feito uma cigana. Na época, ela recebeu um recado de um centro espírita para comparecer lá porque seu filho tinha um problema, incorporava uma pombagira. Ela não foi, muito mais por falta de tempo do que por falta de interesse ou preconceito. Cabeleireira e manicure, tinha no sábado, que era quando aconteciam as sessões, um dia de muito trabalho.
“O André levava maquiagem na escola para maquiar as meninas e se maquiava também”, conta ela, que se atribui uma parte da culpa pela opção sexual do filho, em razão de suas constantes ausências em casa para atender clientes em domicílio.
“Não é culpa sua, não, mãe, sou assim mesmo”, consola André, que se declarou à mãe aos 13 anos, numa ocasião em que ela o colocou “contra a parede”. Aproveitando a deixa, aos 14 ele se vestiu de mulher publicamente pela primeira vez, numa festa de Réveillon em Chapada dos Guimarães. E daí pra frente incorporou definitivamente a sua porção (ou o seu todo) mulher, independente da contrariedade do irmão, que – embora já não se falem mais, tentou levá-lo à igreja para que o pastor o ajudasse a curar-se dos vícios, entre os quais o cigarro e a maconha. “Fumo perto de uma carteira por dia”, admite. E maconha? “Ah, um cigarrinho dura uns três dias”.
Apesar de seus 17 anos, Andrezinho já vende o corpão de 1m80 na noite cuiabana. “Faço ponto aqui próximo do bairro e também no centro”. O faturamento é de 150/180 reais por noite e fica na própria rua, “para pagamento das dívidas”. De vez em quando ganha um calote e a mãe tem que socorrer com dinheiro para voltar para casa. Mas isso não o intimida como também os riscos de assalto, de briga e de outros tipos de violência comuns nas ruas da cidade.
Seus clientes preferidos são os jovens e eventualmente rola uma química que prolonga o relacionamento por mais um tempo. Já “as mariconas”, que ele define como “homens incubados”, são o azarão da noite.
Pela vontade da mãe, André deveria preservar um comportamento de homem durante o dia, arrumar um emprego e, como se diz no jargão popular, “soltar a franga” somente nos fins de semana. “Quem vai dar emprego para alguém assim?”, preocupa-se ela, que jamais se conformou com a opção do filho. “Tolero porque sou mãe e não vou deixar o meu filho na rua, mas aceitar eu não aceito”. 
Isso não faz nenhuma diferença para André que alega ser muito feliz do jeito que é e não vê a hora de completar 18, que é para poder fazer uma porção de coisas que estão na sua cabeça, como viajar. Quer ir a São Paulo colocar um maravilhoso mega hair. Para o futuro, planeja ir à Europa. Para conhecer? “Não, para trabalhar, porque lá as brasileiras fazem o maior sucesso!”

2 comentários:

  1. Desta vez a minha amiga Loreci tocou numa ferida da nossa sociedade, e confesso que também doeu em mim. Me coloquei no lugar desta pobre mãe e fiquei angustiado. Da minha parte, nenhuma recriminação para o Andrezinho, mas eu, como pai, prefiro que meus filhos sejam como aparentam ser, as meninas e o menino também. Tal qual a mãe do André eu também os amaria de qualquer jeito, mas já imaginou a discriminação que uma pessoa assim irá enfrentar por toda a vida? Espero que consigam driblar o preconceito e sejam felizes, mas é difícil.

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  2. Andrézinhooooooooooooooooo <3 Te amo feia

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