quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Holanda brasileira

Holanda era para ser Yolanda, mas uma confusão na hora de fazer o registro no cartório mudou o nome dessa catadora de lixo cuja trajetória em nada se compara com as características do país europeu, reconhecido por sua elevada qualidade de vida e por possuir um dos melhores Índices de Desenvolvimento Humano. Qualidade de vida é uma coisa que passa muito longe do mundo em que vive Holanda Arruda Paulino, uma brasileira nascida em Cuiabá que há 20 anos se sustenta com a reciclagem de lixo.
Ela já passou fome, teve a casa levada pela enchente, sustentou sozinha os três filhos e passou por um monte de outras coisas que provavelmente explicam o olhar melancólico que ela carrega no rosto. 
Com seu jeito tímido, conta que jamais casou de papel passado, embora tenha tido vários companheiros, entre os quais os pais de seus filhos. Deles, nunca recebeu pensão alimentícia. “Uma vez, fui atrás para conseguir um caderno para um dos meninos, mas o pai dele disse que não tinha dinheiro. Nunca mais pedi”.
Pedir é uma coisa que ela sabe fazer muito bem, desde que não seja para ela. Aliás, se tem uma coisa que deixa Holanda feliz é a oportunidade de ajudar as pessoas. Ela não tem medo nem vergonha de pedir o que for para quem quer que seja, se isto for para ajudar alguém. “Fico feliz de ser útil, só não acho jeito de pedir para mim.“
Dos tempos de maior dificuldade, ela lembra dos dias em que o dinheiro não dava nem para comprar pão e da enchente que por pouco não carregou sua casa com ela e as crianças dentro. “Estava dormindo e não vi a água vindo; a vizinha viu, gritou e ajudou a tirar as crianças pela janela”.
A mesma enchente que lhe deixou sem teto também foi responsável por algumas mudanças positivas em sua vida. Com a ajuda de uma assistente social, ela ganhou uma casinha no Jardim Umuarama e passou a receber o Peti, programa criado no governo FHC com o propósito de erradicar o trabalho infantil, o que contribuiu para melhorar a situação da família.
Embora seja uma boa faxineira, “desde os seis anos fazia faxina que nem adulto fazia tão bem”, Holanda se encontrou na atividade de reciclagem do lixo. “É uma coisa que eu entendo e que gosto de fazer.” O trabalho consiste em coletar, separar, limpar, prensar e vender. Entre os materiais recicláveis,  latas, garrafas pet, embalagens de leite, papelão e plástico.
A coleta é feita em alguns bairros como CPA, Morada do Ouro e Jardim Califórnia; no condomínio Residencial Santorini, no Coxipó; e em algumas empresas como Supermercados Comper  e Havan.
Como seus colegas da usina, Holanda não tem registro em carteira. Ela é associada à Coopemar (Cooperativa dos Trabalhadores e Produtores de Materiais Recicláveis). A jornada de trabalho segue a de qualquer trabalhador, das 7h às 17h, de segunda a sábado. A remuneração, proveniente da divisão dos valores apurados com a venda, equivale a um salário mínimo por mês e, segundo ela, não há benefícios de férias e 13º salário. Quanto ao INSS, ela disse que fazia o recolhimento por sua própria conta, mas no momento está sem recolher.
O que a faz permanecer numa atividade que lhe priva de benefícios que reforçam a renda do trabalhador é o amor pela atividade e a consciência de que está contribuindo para melhorar o meio ambiente, o que a maioria das pessoas não tem. Tanto que até entre o lixo reciclável que é recolhido em separado do lixo comum, com frequência são encontados restos de comida, papel higiênico e cocô de cachorro.
A função de catadora está lhe abrindo um caminho novo, que é o artesanato. E ela já começou a fazer cursos para aprender a fazer arte com materiais recicláveis.
Ambição? Holanda não tem. Desejo de ser feliz, sim. E isso se resume a ver os filhos bem, com saúde, trabalhando e cada qual com sua casinha. Felicidade para ela  também é sinônimo de oportunidade de fazer o bem. Nada em desacordo para alguém que além do nome, carrega no peito um coração do tamanho de um país.


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