quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Joia do trigo

Ele foi dono da primeira casa de massas de Cuiabá, fechou a empresa, abriu outra, fechou de novo, abriu uma terceira, faliu e foi trabalhar de empregado. Hoje, tem de volta o próprio negócio: sobre uma bicicleta, ele vende salgados para uma clientela que trabalha, estuda ou circula nas Avenidas Miguel Sutil e Rubens de Mendonça, entre os bairros Consil e Bosque da Saúde.


Em 1982, procedente de Joinvile, o paranaense de Apucarana, Aristides Rodrigues, montou sua rotisseria de massas na varanda da casa que alugou na Avenida Ipiranga. Menos de dois anos depois mudou para outra casa também alugada, na Rua Leo Edilberto Grigg, e finalmente instalou a Fornão Massas Rotisseria numa esquina em meio a Praça Popular, em prédio próprio, onde o negócio prosperou. A casa levava o mesmo nome do restaurante pertencente ao seu cunhado, que fez a sugestão para associar de alguma maneira os empreendimentos. Massas prontas como lasanha, canelone e ravióli eram o forte da casa e traziam bons resultados financeiros que possibilitaram ampliar o patrimônio da família.
Sem esconder a emoção, ele recorda os motivos que o fizeram desistir do empreendimento: a doença da esposa Iria, conhecida por Dona Nega, que passou a exigir dele mais cuidado e atenção. Para ganhar esse tempo, ele trocou o negócio por uma pequena lanchonete até se conformar em trabalhar em casa mesmo, vendendo massa de pizza. O passo seguinte foi arrumar trabalho com o cunhado, na Cantina Itália, um restaurante que funcionou durante um bom tempo na Avenida Mato Grosso, e dali ele partiu para um novo empreendimento na Avenida Presidente Marques junto com outro cunhado. “Em pouco tempo quebramos o negócio”, lamenta ele.
O ramo de massas era uma coisa que ele entendia bem. Foi criado comendo massa numa família descendente de italianos e espanhóis e antes mesmo de se aventurar no Mato Grosso já tinha seu próprio restaurante, o Veneza, que, embora pequeno, movimentava uma boa clientela na cidade de Joinvile.
Sem recursos para investir, Aristides trabalhou em vários restaurantes e se tornou conhecido entre os frequentadores das melhores casas do ramo, sendo volta e meia confundido com seus donos. Por essa época começou a vender salgados nas horas livres. E não parou mais.
Casado pela terceira vez e com um filho pequeno para criar – os dois filhos mais velhos já praticamente encaminhados, viu nessa atividade uma oportunidade de manter os custos fixos da família, reservando o salário para outras despesas como o colégio do guri. Recentemente se aposentou e as rendas somadas possibilitaram construir uma casa no mesmo terreno onde mora a sogra, e a vida ficou mais tranquila.
Desenho feito por um admirador
O negócio do salgado também evoluiu. Aristides passou a comprar os salgados já prontos e as horas até então consumidas na produção trocou por mais tempo para a comercialização. “Sacrifico um pouco do lucro, mas saio inteiro para a venda”, comemora.
A jornada começa às 6 horas e termina por volta das 10, já que as 11 precisa estar a postos no seu turno na rotisseria do cunhado, onde trabalha fixo. Na garupa da bicicleta, além de salgados, leva café e suco caseiro.
Quer saber se esse trabalho o deixa feliz? A resposta é sim. Ele tomou gosto pela coisa e, hoje com 66 anos, enumera duas grandes vantagens dessa atividade: “faço exercício físico naturalmente e sempre tenho dinheiro no bolso”.
E se precisasse dar um conselho aos que estão iniciando um negócio próprio, Aristides não pensaria duas vezes antes de recomendar persistência. “Se tivesse tido um pouco mais de persistência, talvez não tivesse desistido do meu Fornão, embora todos os problemas da época!”

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Voz do paraíso

“Paraíso FM
A rádio que toca no seu coração
 A estação do Amor”
Assim começa, diariamente, na rádio comunitária Paraíso, mais um Presente Sonoro, sob o comando de Ladinelson Araújo da Silva. É quando o locutor vive o seu papel mais emocionante, mais divertido, e que não lhe traz nenhum resultado financeiro, mas rende muita alegria, muita diversão e uma satisfação que não tem preço.
Logo mais à noite, ele assume o outro papel, que lhe dá renda e complementa a aposentadoria como servidor público. A partir das 19h, Ladinelson se transforma em Wanderlei, o vigilante que palmilha as ruas do bairro Morada do Ouro à bordo de uma bicicleta, fazendo-se avisar de sua passagem pelo som do apito que atravessa os muros das casas madrugada adentro.
O nome Wanderlei ele herdou de uma dupla sertaneja da adolescência, Wanderlei e Waldevan, em que junto com seu parceiro animava bailes, festas de aniversário e de casamento, pelo interior de Mato Grosso, sob a inspiração de Pedro Bento e Zé da Estrada, Tião Carreiro e Pardinho, Lio e Leo, entre outros.
Ladinelson e Wanderlei são dois personagens que se fundem num só e que são representados por um baiano, quase mato-grossense, que, aos 70 anos, sorve a vida com gosto, saboreando cada gole. “Os amigos que regulam em idade comigo ou morreram ou estão cansados, encostados, cultivando barriga”, diz, ressaltando que estar ativo ajuda a manter o físico e a mente bem arejados e saudáveis. 
A história de Ladinelson em Mato Grosso começou no dia 19 de setembro de 1950, quando, aos seis anos de idade, aportou na Praça do Rosário, em Cuiabá, junto com mais umas 300 pessoas, após uma viagem a pé que durou 180 dias. O grupo saiu de Mundo Novo, na Bahia, atraído pelo garimpo e pela fartura de terra, disposto a conquistar melhores condições de vida.
Enquanto algumas famílias se fixaram em Poxoréu, Guirantinga, Alto Paraguai e Diamantino, Ladinelson ficou em Cuiabá, junto com os avós, e chegou a estudar no Liceu Cuiabano. Com a morte deles, foi morar em Rondonópolis, onde foi trabalhar na rádio atualmente conhecida como Rádio Clube. A curta carreira como locutor enveredou para a formação da dupla Wanderlei e Waldevan, que esteve perto de gravar um disco e, quem sabe, experimentar um bocadinho de sucesso ou mesmo estourar nas paradas quando Ladinelson era pouco mais do que um garoto. O sonho não chegou a se realizar, embora apoiadores de peso como o locutor da Rádio Nacional e produtor da RCA Victor, Zé Russo, e a dupla Praião e Prainha. Tentativa fracassada, Ladinelson fechou a garganta e nunca mais cantou. Mas não desistiu do rádio.
Aos 18 anos foi convocado para o serviço militar e permaneceu no exército ao longo de quatro anos. Então, ingressou no serviço público e virou funcionário do Dermat. Entre as atividades, uma que ele abraçou com paixão: rádioamadorismo, uma forma de comunicação utilizando as ondas curtas do rádio que já foi muito além do hobby mantido hoje por milhares de pessoas ao redor do mundo. Como radioamador, teve a oportunidade de, em meio ao precário sistema de telefonia da época, auxiliar em situações de desastres e calamidades públicas, localizar pessoas ou mesmo contribuir para a aproximação de parentes distantes.
O retorno ao rádio só foi possível com a aposentadoria e se concretizou quando recebeu a concessão de uma rádio comunitária, a Rádio Paraíso, que funciona no bairro do mesmo nome, na região do CPA, em Cuiabá. É através dela que Ladinelson expressa sua alegria, seu costumeiro bom humor, saudando a vida enquanto toca as canções preferidas dos ouvintes.
Para ele, o rádio é o maior, melhor e mais ágil veículo de comunicação do mundo. “A TV tem aquele jogo de empurra, grava hoje para exibir semana que vem...”, opina o locutor, que conta com o apoio cultural de várias empresas situadas na região que contribuem para custear despesas fixas como aluguel, energia e telefone. De retorno, essas empresas tem seu nome levado pelas ondas do rádio, em versinhos como este:
“Paraíso da Construção
Aonde os seus problemas se transformam em solução.
Do básico ao acabamento
Do telhado até ao chão
Tem tudo para sua construção”.
Que Ladinelson recita de pronto, sem fazer uso de qualquer recurso, a não ser sua memória. Até porque, de anotação na mesa da cabine, só tem os nomes dos ouvintes listados nas folhas de um caderninho, que ligam para concorrer aos sorteios de prêmios e que ele exibe com orgulho como medidor de sua audiência.