quarta-feira, 27 de maio de 2015

Levando o mundo encantado dos livros sobre rodas

Ele não é escritor. Nem professor de literatura. Nem editor. Nem livreiro. Nem contador de histórias. Ele é um leitor. Um leitor que está fazendo diferença como divulgador da literatura. Um leitor que está permitindo o acesso aos livros de muita gente que não dispõe de outros meios de se envolver com a leitura.

Clóvis Matos é historiador da UFMT e há 10 anos mantém um projeto de inclusão literária desenvolvido a partir de uma biblioteca itinerante que ele leva daqui pra lá e de lá pra cá, fazendo chegar aos mais diferentes lugares os livros e o mundo encantando que reside dentro deles.

Através da Furiosa, a “corajosa” caminhonete que sustenta a biblioteca, Clóvis vai atrás de leitores que podem estar em qualquer lugar, principalmente nos municípios do interior de Mato Grosso. O ponto de fixação da biblioteca tanto pode ser uma praça, um posto de combustível ou um supermercado, onde os livros são colocados à disposição dos leitores. Em algumas localidades, ele também promove oficinas literárias que colaboram para desenvolver a capacidade criativa das pessoas, especialmente das crianças.

Quando começou o projeto, em 2005, Clóvis contou com recursos da Secretaria Estadual de Cultura, que lhe destinou uma verba de R$ 30 mil. Eram dele a caminhonete e os mais ou menos 3 mil livros que foram transferidos de sua biblioteca pessoal para a itinerante. Desde então, Clóvis calcula ter investido pelo menos mais umas 10 vezes a verba inicial.


“O projeto envolve despesas com viagens, com combustível, com oficina, entre tantas outras”, alega o historiador que lamenta a dificuldade de encontrar parceiros para ajudar a bancar os custos, incluindo a própria Secretaria de Cultura, que substituiu a Lei Hermes de Abreu, feita à época em que o próprio Clóvis era o titular da pasta, pelo Fundo de Incentivo à Cultura, que, segundo ele, descaracterizou a forma de buscar recursos junto aos empresários.


“É um trabalho árduo que requer muito amor”, sintetiza o historiador, lembrando, por outro lado, um fator muito positivo: o volume de doações. “As pessoas ligam para dizer que querem fazer a doação e trazem os livros ou quando isso não é possível eu mesmo vou buscar”.

Bastante conhecido por se parecer com o Papai Noel, o barbudo Clóvis consolida a fama no período do Natal, quando encarna o bom velhinho num shopping da cidade. Também é no Natal que ele intensifica a promoção de ações sociais, visitando hospitais e distribuindo presentes para crianças pobres. Só no ano passado, ele comprou e distribuiu em torno de 1.200 brinquedos.


Com algumas mudanças em vista, como a substituição da Furiosa por uma Kombi, o que deve dar mais agilidade às viagens, Clóvis pretende incrementar ao projeto a venda de livros de baixo custo e já está mantendo contatos com fornecedores.

Um pouco mais audacioso e ainda no papel, o plano de levar a biblioteca para o Pantanal, através do rio. “Pretendo sair de Barão de Melgaço e descer até onde o rio Cuiabá me levar”, empolga-se o historiador, já imaginando o sabor que irá proporcionar aos ribeirinhos experimentarem quando atracar seu barco cheio de livros. Um sabor que ele conhece bem e que começou a degustar cedo, por volta dos 12 anos. Ainda guarda as sensações da primeira obra que lhe marcou fortemente: Cem anos de solidão, de Gabriel García Marquez. Atualmente, se dedica à leitura de O coração do rei, de Iza Salles, que aborda a vida de D. Pedro I.

Para fazer doações de livros ou colaborar com o projeto de inclusão literária, ligue para (65) 8135-1176.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Ela não leva tristeza para o trabalho

Miúda, ela parece estar escondida atrás do balcão repleto de queijos e doces. Mas é só o cliente encostar que recebe a saudação dela, acompanhada de um sorriso do tamanho do mundo. Um sorriso que não se desprende nunca do rosto dela. Pelo menos enquanto ela está trabalhando. “Não trago tristeza para dentro do meu comércio”, diz esta paranaense de Mandaguari, que há 40 anos veio para o Mato Grosso, acompanhando o marido e a família dele, e terminou por se fixar em Cuiabá. “É claro que a vida não é só flores, mas quando saio para trabalhar, os espinhos ficam em casa”,
Zilda Ferreira Firmino é uma das mais antigas comerciantes do mercado do Porto. Ela já tinha uma banca na Avenida Beira Rio, endereço dos feirantes antes deles serem instalados no Porto. Contando os 20 anos de existência do mercado mais o tempo anterior, ela tem mais de 30 anos de atividade. E o segredo ela não esconde de ninguém: o bom atendimento. “Tenho freguês de 20 anos”, orgulha-se, acrescentando que são os próprios clientes que indicam o seu comércio para novos compradores.
A Vip Queijaria fornece produtos para restaurantes, churrascarias e pousadas, incluindo vários estabelecimentos em Chapada dos Guimarães. Além dos queijos, comprados diretamente dos produtores, vende doces de leite, de abóbora, de mamão, de laranja, de figo... Esses são produzidos na chácara da família, que fica na estrada de Cáceres, a 50 quilômetros de Cuiabá, na localidade conhecida por Cinquentinha. Às terças-feiras, ou Zilda ou o marido dela se desloca para a chácara para fazer os doces e abastecer os latões e tonéis onde os doces são armazenados para serem vendidos depois, no varejo.
Trabalho, ela tem de sobra. A banca fica aberta ao público todos os dias da semana, inclusive domingos e feriados. E descansa quando? “Aos domingos à tarde”, ela responde com o sorriso de sempre. Também é no domingo à tarde que ela professa a fé em Deus e na igreja católica, levando a família inteira, o marido e os dois filhos, para a missa. “Deus faz milagre na vida da gente”, repete uma Zilda agradecida, uma Zilda que nunca chegou a passar fome, mas já esteve bem perto. “Nos meus tempos de criança, no Paraná, teve épocas em que meus pais faziam de tudo para colocar arroz na mesa para os filhos; quando não conseguiam, apelavam para a quirera, milho quebradinho usado para tratar os pintinhos; quando conseguiam arroz, comiam eles a quirera”.
A casa onde ela mora, no Cristo Rei, em Várzea Grande, não tem nenhum luxo. Mas tem o conforto de um ar condicionado e de um quarto aconchegante, além de uma geladeira abastecida. “Sinônimo de conforto para mim é comer o que eu gosto e dormir bem, numa cama boa, num quarto confortável”, observa a feirante, que pauta sua vida na simplicidade e em jamais pisar no pequenininho.
Aos 62 anos, Zilda se diz “do tempo em que um olhar do pai bastava para conter um filho”. Eram tempos em que prevalecia o respeito. A falta disso, somada à impunidade que campeia à solta, é responsável, segundo ela, pelo crescimento da violência. “Hoje, quem tem dinheiro paga para não ser preso, não importa o crime que tenha cometido, e fica por isso mesmo!”.
Os recursos da informática ainda não chegaram na Vip Queijaria. À moda antiga, o dinheiro vai-se acumulando numa gavetinha de madeira. “Mas eu faço o caixa todo dia”, justifica-se a feirante, que já deu um grande passo no negócio quando legalizou a empresa. Essa é uma vantagem que veio se somar a outras trazidas pela modernidade, como a facilidade de comprar mercadorias. Imagine a comodidade de se comprar, por exemplo, o figo, cuja preparação requer um processo difícil e demorado, e que hoje já vem pré-cozido e entregue na porta! “Hoje também se vende melhor!”.
A rotina de trabalho de Zilda começa às 6h da manhã, quando ela sai de casa, e termina às 19h, quando retorna ao lar. “Não sinto canseira”, diz, cheia de vitalidade, “provavelmente porque gosto muito do que faço”.